A modalidade pregão, instituída pela lei nº 10.520, a Lei do Pregão, sem dúvida, trouxe importantes inovações e benefícios na forma como a administração pública licita suas contratações, para bens e serviços comuns.
Uma importante inovação foi, ao invés de se adotar uma comissão, como regrado pela lei nº 8.666/93, a instituição da figura do pregoeiro: aquele responsável por comandar a fase de lances, julgar as propostas e habilitar as empresas, manifestar-se sobre esclarecimentos e impugnação ao edital, e sobre recursos interpostos sobre seu julgamento. Um verdadeiro “juiz” do certame. E, no caso do pregão presencial, ainda possui a responsabilidade de credenciar os licitantes para a sessão.
Em que pese a instituição de uma Equipe de Apoio, a qual, como o próprio nome traz, tem a responsabilidade de dar apoio ao pregão, o pregoeiro pode ser considerado o “cara”, no pregão, sendo o responsável pelas ações na sessão; inclusive, para o caso de responder, judicialmente, sobre as decisões tomadas.
Com a utilização da tecnologia da informação pela administração pública e a permissão contida no § 1º, do artigo 2º, da Lei do Pregão, foi regulamentada, então, em 2005, com o conhecido Decreto nº 5.450/05 a forma eletrônica, em âmbito federal, revogado com pelo Decreto nº 10.024/19; sendo, nas demais esferas, a forma eletrônica do pregão regulamentada, muitas vezes, com o “copiar x colar” do decreto federal.
Com o pregão eletrônico, se, por um lado, excluía-se da atribuição do pregoeiro o credenciamento das licitantes, visto que, agora, a licitante interessada em participar de pregão eletrônico é a responsável por se cadastrar nas plataformas que o órgão licitante utilize, o § 3º, art. 26, do decreto federal revogado, trazia, de forma clara, coadunando-se com os entendimentos do TCU acerca de se evitar o excesso de formalismo, que o pregoeiro poderia sanar erros ou falhas que não alterassem a substância das propostas, dos documentos e sua validade jurídica, mediante despacho fundamentado, registrado em ata e acessível a todos, atribuindo-lhes validade e eficácia para fins de habilitação e classificação.
Trouxe, também, ao pregoeiro, o comando e a decisão de encerrar a fase de lances no sistema. Enquanto que, no pregão presencial, a fase de lances se encerrava quando restasse uma última licitante a dar lance, no pregão eletrônico, o pregoeiro, tinha o poder de, a seu critério, determinar ao sistema que encerrasse a fase de lances, mesmo que, após essa ação, o sistema entrasse numa fase aleatória, não mais comandada pelo pregoeiro
Como procedimento no pregão eletrônico, após a fase de lances, o pregoeiro solicitava da provisória vencedora a proposta atualizada, planilhas, folders, documentos de habilitação, e, para aqueles órgão que utilizam o COMPRASNET, fazia-se consulta ao SICAF, solicitando documentos que lá estivessem vencidos ou não estivessem registrados. Havia-se, também, esse poder ao pregoeiro, com editais permitindo o envio da proposta e, em seguida, a habilitação; outros editais exigindo o envio concomitante de ambos, mas, permitindo o reenvio, caso houvesse algum erro sanável; ou permitindo o pregoeiro solicitar documentos exigidos no edital que não haviam sido enviados em um primeiro momento; e, ainda, situações nas quais o editais nem mesmo delimitavam o prazo para envio da proposta e documentos solicitados, e ficando, ainda mais, em poder do pregoeiro, definir, no momento da convocação, o prazo.
Para aqueles sistemas que não se anexavam proposta e documentos de habilitação, mas, sim, havia o envio por e-mail, o poder e a responsabilidade do pregoeiro era, ainda maior, visto que, a nosso ver, comprometia a transparência do certame, já que os licitantes não tinham como acompanhar o momento da apresentação dos documentos solicitados, nem, tão pouco, tomar conhecimento desses documentos, diretamente no sistema; ficando na responsabilidade do pregoeiro a declaração da veracidade dos documentos recebidos.
E aquelas situações nas quais o pregoeiro, sem o devido respeito aos licitantes, considerando necessidade de apreciação das propostas e documentos de habilitação, literalmente, desaparecia do sistema, sem comunicação ou registro quanto à suspensão do certame, prazos da suspensão e momento de retorno da sessão?
E, assim, o pregoeiro, conforme permitido pela legislação vigente, tinha um poder sobre certas ações, algumas vezes, prejudicial ao julgamento objetivo e à transparência do certame.
Com o novo decreto regulamentador do pregão eletrônico, o Decreto nº 10.024/19, foram instituídas importantes delimitações ao poder do pregoeiro, de certa forma, aperfeiçoando o procedimento e trazendo uma certa isenção do pregoeiro em determinados momentos.
Primeiramente, pelas novas regras, as licitantes, no momento do cadastramento de suas propostas, após divulgação do edital e até a data e horário da abertura da sessão, e, ainda, exclusivamente, pelo sistema, os licitantes deverão anexar no sistema, sua proposta e documentos de habilitação não constantes no SICAF e de sistemas semelhantes mantidos pelos demais entes federativos; não bastando, agora, o simples preenchimento dos campos no sistema.
Com isso, o pregoeiro e os demais licitantes, após a fase de lances, já terão disponíveis a proposta inicial da licitante identificada, inclusive, com as especificações do objeto ofertado, que deverá corresponder ao preenchido nos campos do sistema, e sua documentação de habilitação; sendo solicitada, logicamente, a proposta atualizada ao último lance do vencedor provisório. O que, de pronto, já traz uma restrição ao poder que, anteriormente, o pregoeiro possuía, de conceder prazos diferentes, seja por regra do edital, seja a seu critério, para envio dos documentos de habilitação.
Em complemento a essa regra, uma segunda restrição ao poder do pregoeiro, então, é a possibilidade, de, caso necessário, serem solicitados, apenas, documentos complementares aos inicialmente apresentados no sistema, e no prazo mínimo de duas horas.
Agora, o pregoeiro, de posse dos documentos apresentados no sistema, terá que realizar o julgamento da proposta atualizada e da documentação já apresentada; não há mais a possibilidade inclusão de novos documentos exigidos no edital, caso esses não sejam para confirmar os que já foram apresentados no sistema.
Como terceira inovação e limitação, a fase de lances, com os modos de disputa aberto ou aberto e fechado, está com seus tempos controlados pelo sistema: seja no modo aberto, com os 10 minutos e, em seguida a possibilidade prorrogação, controlada pelo sistema; seja no modo aberto e fechado, com seus 15 minutos, em seguida, o tempo aleatório e, por fim, a etapa fechada, também controlada pelo sistema. Não é mais o pregoeiro que encerra a fase de lances a seu critério, como antes ocorria.
Obviamente, como toda regra possui exceção, em benefício à seleção da proposta mais vantajosa para a administração, o decreto traz, para ambas as fases, um momento de decisão, por parte do pregoeiro e da equipe de apoio (não apenas do pregoeiro), no qual poderão determinar o reinício da etapa de lances. Mas, isso só ocorrerá após o sistema controlar a primeira parte da disputa. O que, entendemos, será quase impossível se adotar essa exceção, visto que a intenção dos licitantes sempre será dar, pelo menos, um último lance vencedor.
E uma quarta novidade trazida pelo decreto é a obrigação do pregoeiro, na hipótese de necessidade de suspensão da sessão pública para a realização de diligências, com vistas ao saneamento no julgamento da proposta e documentos de habilitação, ter que registrar no sistema a suspensão, sendo-lhe permitido reiniciá-la mediante aviso prévio no sistema com, no mínimo, vinte e quatro horas de antecedência.
Essa regra, inclusive, se coaduna, também, com diversos entendimentos do TCU acerca da transparência e publicidade das ações do pregoeiro, como o agente responsável por comandar a seção pública, e ter a obrigação e o respeito para com os participantes quanto às suas ausências, suspensão do certame e sua retomada.
A possibilidade saneamento de erros ou falhas por parte do pregoeiro ainda permanece com o novo decreto; no entanto, há um certo limitador na sua ação.
Enfim, vemos que o comandante do certame, no pregão eletrônico, o pregoeiro, mantem sua enorme responsabilidade no julgamento da proposta e documentos de habilitação das licitações; agora, legalmente, inclusive, com o poder de solicitar manifestação técnica da assessoria jurídica ou de outros setores do órgão ou da entidade, a fim de subsidiar sua decisão; mas que, nesse pontos que atacamos, teve seu poder restringido.O importante é detectarmos e percebermos que essas novas restrições ou limitações, de certa forma, trazem um benefício e uma segurança a seu favor, retirando do seu poder ações subjetivas e ficando a comando do edital e do sistema; e, principalmente, um benefício aos princípios da isonomia, da competividade, do julgamento objetivo, e em busca da melhor proposta para a administração.