A Lei de Licitações e Contratos Administrativos, Lei nº 14.133/2021, nem bem entrou em vigência, em 1º de abril, e já tínhamos perguntas diversas sobre sua utilização, sobre o Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP) e, principalmente, se já se poderia contratar, por dispensa de licitação, utilizando os novos limites, constantes no art. 75, superiores aos da Lei nº 8.666/93.
Sobre essa questão, iniciamos lembrando a regra do art. 191, da Lei n º 14.133/2021, que prevê que, durante os próximos dois anos, a Administração poderá optar por licitar ou contratar diretamente de acordo com a nova lei ou de acordo com o que vamos chamar de “antiga legislação” – a Lei nº 8.666/93, a Lei nº 10.520/02, das regras do RDC, constantes na Lei nº 12.462/2011 – visto que, conforme inciso II, do art. 193, a “antiga legislação” será revogada, apenas após dois anos da publicação da Lei nº 14.133/2021.
Logo, pela literalidade do art. 191, não existe dúvida de interpretação quanto à existência e utilização, durante os próximos dois anos, da “antiga legislação” e da Lei nº 14.133/2021, seja para procedimentos licitatórios, seja para as situações relativas às dispensas de licitação e inexigibilidade de licitação.
Importante, ainda, lembrar que a parte final do art. 191 prevê que a opção escolhida (“antiga legislação” ou Lei nº 14.133/2021) deverá ser indicada, expressamente, no edital ou no aviso ou instrumento de contratação direta, vedada a aplicação combinada da nova lei com a “antiga legislação”).
De forma prática, então, se surgir uma necessidade para seu órgão, a partir de agora, o gestor, então, deverá indicar qual legislação utilizará para aquela contratação específica, seja no edital, indicando, geralmente, no preâmbulo, a legislação utilizada no certame, e, então, seguindo todas as regras da licitação, em sua fase interna, fase externa e contratação, pela legislação indicada; seja no instrumento de contratação direta, obviamente, aplicando-se aos casos em que a licitação é inexigível, também, qual legislação estará utilizando naquela contratação.
E mais: está vedado, por exemplo, em um mesmo edital, utilizar parte das regras da Lei nº 8.666 e parte da Lei nº 14.133/2021. Da mesma forma, no caso do pregão, não se pode utilizar, em um mesmo edital, as regras da Lei nº 10.520/02 e a Lei nº 14.133/2021.
Tratando, então, especificamente, da dispensa de licitação, a restrição quanto à utilização da legislação e procedimentos que serão adotados na contratação é mesma: ou se utiliza as regras da Lei n º 8.666/93 ou se utiliza as regras da Lei nº 14.133/2021.
Nesse ponto, então, é importantíssimo se conhecer os impactos da opção, porque, deles, decorrem limites diferenciados, fundamentação diferenciada, procedimentos diferenciados.
Optando-se pelas regras, já conhecidas, da Lei nº 8.666/93, onde, em seu artigo 24, há as possibilidades do gestor dispensar a licitação, temos trinta e cinco incisos nos quais o gestor pode se fundamentar para dispensar a licitação. E, tratando-se da dispensa de licitação em razão de valor, temos os limites constantes nos incisos I e II, do art. 24, respectivamente: R$ 33.000,00, para obras e serviços de engenharia, e R$ 17.600,00, para demais serviços e compras.
Sem constar, na Lei nº 8.666/93, o procedimento detalhado a ser seguido para a contratação por dispensa de licitação, inclusive, quanto ao planejamento da contratação, a pesquisa de preços, o gerenciamento de risco e a escolha do fornecedor, o que poderemos destacar é o texto final da redação constante nos incisos I e II, do art. 24, quando a lei possibilita a dispensa de licitação pelos referidos valores desde que não se refiram a parcelas de uma mesma obra ou serviço, ou ainda, para obras e serviços da mesma natureza e no mesmo local que possam ser realizadas conjunta e concomitantemente, no caso do inciso I, ou desde que não se refiram a parcelas de um mesmo serviço, compra ou alienação de maior vulto que possa ser realizada de uma só vez.
Nesse ponto, vemos que a lei, de certa forma, traz que o gestor deverá planejar suas contratações para se evitar o fracionamento da despesa.
No caso da opção do gestor por utilizar a Lei nº 14.133/2021, esse cenário muda consideravelmente, não bastando, para tanto, a animação para se utilizar os novos limites para dispensa de licitação em razão de valor, que é o que muito se tem visto. Mas, principalmente, para que se altere a forma de pensar sobre o processo de dispensa de licitação, considerando o foco no planejamento de todas as contratações trazidas pela nova lei.
Agora, na Lei nº 14.133/2021, o artigo 75 traz a as possibilidades de que o gestor dispõe para dispensar a licitação, seja em razão de valor, seja de acordo com o objeto, seja no caso de licitação deserta ou fracassada.
Especificamente, quanto à dispensa de licitação por favor, os incisos I e II, do art. 75, trazem a previsão de que, respectivamente, para contratações de obras e serviços de engenharia ou serviços de manutenção de veículos automotores, poderá ser dispensa a licitação para contratações com valor inferior a R$ 100.000,00; e, para contratações de demais serviços e compras, esse valor limite é de R$ 50.000,00. Sendo os referidos valores duplicados nos casos de contratos firmados por consórcio público, ou por autarquia ou fundação qualificada, como agências executivas definidas em lei.
A lei, ainda, prevê que, preferencialmente, referidas contratações serão pagas por meio de cartão de pagamento, o que poderá trazer, ainda mais, celeridade à contratação. No entanto, sem desobrigar o gestor da formalização de todo o procedimento exigido na lei.
Um detalhe importante é que, enquanto a Lei nº 8.666/93 prevê que a possibilidade de contratação por dispensa de licitação deve observar se a contratação não pode ser realizada em conjunto, por meio de licitação, na nova lei, foram trazidas regras para aferição dos valores, para observância dos novos limites, que estão no § 1º, do art. 75.
Para a contratação por dispensa de licitação, deve-se observar se o somatório do que for despendido no exercício financeiro pela respectiva unidade gestora não atingiu os limites e se o somatório da despesa realizada com objetos de mesma natureza, sendo aqueles considerados do mesmo ramo de atividade. Não sendo necessário se observar referidas regras de aferição nas contratações com valor até R$ 8.000,00 para serviços de manutenção de veículos automotores.
Também, especificamente, para as contratações em razão de valor, preferencialmente, deverá haver divulgação do aviso da dispensa de licitação em sítio eletrônico oficial, pelo prazo mínimo de 3 (três) dias úteis, com a especificação do objeto pretendido e com a manifestação de interesse da Administração em obter propostas adicionais de eventuais interessados, devendo ser selecionada a proposta mais vantajosa. Algo que vem no Decreto nº 10.024/2019, que regulamenta o pregão eletrônico na esfera federal, onde é prevista a dispensa eletrônica, para bens e serviços comuns, inclusive, serviços comuns de engenharia. Relembrando que essa legislação não se aplica à nova lei de licitações.
Além das regras constantes no artigo 75, a nova lei trouxe o planejamento para dentro do procedimento de dispensa de licitação, não bastando, agora, especificar o objeto, realizar a pesquisa de preços, montar o processo e seguir para a contratação.
Agora, caso o gestor mais empolgado em se utilizar dos novos limites de dispensa de licitação, opte por adotar a Lei nº 14.133/2021, deverá saber que, agora, o planejamento está em todas as contratações, inclusive, nas dispensas de licitação.
O artigo 72, da Lei nº 14.133/2021, regra o processo da contratação direta:
Art. 72. O processo de contratação direta, que compreende os casos de inexigibilidade e de dispensa de licitação, deverá ser instruído com os seguintes documentos:
I – documento de formalização de demanda e, se for o caso, estudo técnico preliminar, análise de riscos, termo de referência, projeto básico ou projeto executivo;
II – estimativa de despesa, que deverá ser calculada na forma estabelecida no art. 23 desta Lei;
III – parecer jurídico e pareceres técnicos, se for o caso, que demonstrem o atendimento dos requisitos exigidos;
IV – demonstração da compatibilidade da previsão de recursos orçamentários com o compromisso a ser assumido;
V – comprovação de que o contratado preenche os requisitos de habilitação e qualificação mínima necessária;
VI – razão da escolha do contratado;
VII – justificativa de preço;
VIII – autorização da autoridade competente.
Vemos, então, que, agora, o gestor que decidir pela dispensa de licitação, deverá iniciar o processo com um documento que apresente a necessidade da contratação para que, se for o caso, seja realizado um estudo técnico preliminar para definir a melhor solução para atendimento da necessidade, analisando-se, inclusive, os riscos daquelas soluções possíveis, para, ao final, se indicar qual a solução mais viável a ser contratada.
Agora, a fase interna para a contratação por dispensa de licitação, uma fase de planejamento, até se chegar no Termo de Referência ou no Projeto Básico ou no Projeto Executivo, é semelhante ao de um procedimento licitatório.
Importante entender que as normas infra legais, atualmente vigentes, como o caso da IN SEGES nº 73/2020, que trata da pesquisa de preços, a IN nº 40/2020, que trata do ETP, não se aplicam às novas regras da nova lei de licitações. Essa consciência deve ter absorvida por quem atua na área. Mas que, agora, o estudo da melhor solução para contratação, mesmo por dispensa de licitação, deverá existir e ser materializado no processo, no documento que resulta do Estudo Técnico Preliminar.
Outro destaque desse procedimento é quanto à pesquisa de preços, que deverá observar, inclusive, o mesmo procedimento do art. 23, onde é regrado quais os parâmetros utilizados para se chegar no valor estimativo da contratação para aquisição de bens e contratação de serviços em geral e para obras e serviços de engenharia, para que se conste o valor estimado da contratação, sendo permitido, quando não for possível estimar o valor do objeto, que o contratado comprove, previamente, que seus preços estão em conformidade com os praticados em contratações semelhantes de objetos de mesma natureza, por meio da apresentação de notas fiscais emitidas para outros contratantes no período de até 1 (um) ano anterior à data da contratação pela Administração, ou por outro meio idôneo.
Acerca da formalização do contrato, a lei, em seu artigo 95, também flexibiliza a exigência do instrumento de contrato na dispensa de licitação em razão de valor, prevendo a possibilidade de o instrumento ser substituído por outro instrumento hábil, como carta-contrato, nota de empenho de despesa, autorização de compra ou ordem de execução de serviço.
Dessa forma, temos, nessa breve análise das novas regras de contratação por dispensa de licitação, trazidas pela Lei nº 14.133/2021, que não basta o gestor escolher utilizar a nova lei, animado pelos novos limites.
Vemos que a opção por utilizar os novos limites da dispensa de licitação, trazidas pela Lei nº 14.133/2021, não torna o processo mais simples. Não basta, apenas, querer usar os limites. Tem-se que capacitar a equipe para aprender a planejar, analisar os riscos, para, então, realizado todo esse procedimento constante no art. 72, se chegar na contratação.
Então, todo cuidado é pouco nesse momento de discussões sobre a nova lei, inclusive, sobre a eficácia das contratações, mesmo as que são realizadas por dispensa de licitação. Não basta, apenas, se preocupar com os limites, não basta, apenas, se preocupar com as discussões em torno do Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP). Afinal, a lei prevê, em seu artigo 73, que, na hipótese de contratação direta indevida ocorrida com dolo, fraude ou erro grosseiro, o contratado e o agente público responsável responderão solidariamente pelo dano causado ao erário, sem prejuízo de outras sanções legais cabíveis.
Muita calma nessa hora!