Participação de pessoas físicas nas licitações da Lei 14.133/2021

1 INTRODUÇÃO

Foi publicada no dia 30 de dezembro de 2021 a Instrução Normativa da Secretaria de Gestão do Ministério da Economia (SEGES) nº 116/2021, que regulamenta a participação de pessoas físicas em licitações, no âmbito da Administração Pública federal direta, autárquica e fundacional, em vista das disposições da nova Lei de Licitações nº 14.133/2021.

Em que pese a participação de pessoas físicas nas licitações não ser algo inovador, já previsto na lei nº 8.666/93, não existia regulamentação norteando a administração pública e os interessantes sobre o procedimento.

E dentro da regulamentação trazida pela instrução normativa, consta uma espécie de checklist dos documentos a serem exigidos no edital ou no aviso de contratação direta, com um detalhe curioso que é a exigência ao adjudicatário de alguns documentos.

 A QUEM É APLICADA A NORMA

Inicialmente, importante lembrar que a referida norma é aplicada no âmbito da Administração Pública federal direta, autárquica e fundacional, devendo os órgãos que não integram essa estrutura regulamentar.

A exceção trazida pela norma está no art. 3º, no qual é previsto que os órgãos e entidades da Administração Pública estadual, distrital ou municipal, direta ou indireta, quando executarem recursos da União decorrentes de transferências voluntárias, deverão observar as regras da referida instrução normativa; semelhante ao que vem sendo adotado desde o Decreto nº 10.024/2019, que regulamenta o pregão eletrônico, na IN SEGES nº 65/2021, que trata dos procedimentos para pesquisa de preços e na IN SEGES nº 67/2021, que regulamenta a dispensa eletrônica, todas normas com abrangência na Administração Pública federal direta, autárquica e fundacional.

Sendo o recurso de transferência voluntárias da União, a União, então, determina como o órgão deverá proceder em determinados procedimentos da lei.

3 DEFINIÇÃO DE PESSOA FÍSICA PARA FINS DE PARTICIPAÇÃO EM LICITAÇÃO E CONTRATAÇÃO DIRETA E QUANDO HÁ A RESTRIÇÃO À SUA PARTICIPAÇÃO

A participação de pessoas físicas em licitações não é algo inovador trazido, nem pela Lei nº 14.133/2021, nem pela IN nº 116/2021.

A antiga lei de licitações e contratos, Lei nº 8.666/93, já trazia, no inciso XV, do art. 6º, na definição de contratado referência a pessoa física:

Art. 6o Para os fins desta Lei, considera-se:

[]

XV  Contratado  a pessoa física ou jurídica signatária de contrato com a Administração Pública;

Então, em que pese a Lei nº 8.666/93 não trazer a definição de licitante, como ocorre no inciso IX, do art. 6º, da Lei nº 14.133/2021, o qual é definido como sendo pessoa física ou jurídica, ou consórcio de pessoas jurídicas, que participa ou manifesta a intenção de participar de processo licitatório, sendo-lhe equiparável, para os fins desta Lei, o fornecedor ou o prestador de serviço que, em atendimento à solicitação da Administração, oferece proposta, já tínhamos na antiga lei, na definição de contratado que o mesmo poderá ser uma pessoa física; e, logicamente, para ser contratado, a pessoa física deverá ter participado de uma licitação ou, então, ter sido contratado por algumas das formas de contratação direta.

Importante, ainda, lembrar que, na Lei nº 8.666/93, a participação de licitantes pessoas físicas deverão observar, quanto à habilitação, a documentação exigida dos artigos 27 a 31; não havendo regulamentação federal específica sobre sua participação. O que veio a ocorrer com a Lei nº 14.133/2021, pela IN SEGES nº 116/2021, que traz a documentação a ser exigida, como veremos a seguir.

Dentro dessa regulamentação, temos, então, no art. 2º, da IN SEGES nº 116/2021, a definição do que seja pessoa física, para fins de licitação:

Art. 2º Para efeito desta Instrução Normativa, considera-se pessoa física todo o trabalhador autônomo, sem qualquer vínculo de subordinação para fins de execução do objeto da contratação pública, incluindo os profissionais liberais não enquadrados como sociedade empresária ou empresário individual, nos termos das legislações específicas, que participa ou manifesta a intenção de participar de processo de contratação pública, sendo equiparado a fornecedor ou ao prestador de serviço que, em atendimento à solicitação da Administração, oferece proposta.

Em que pese a definição aparentar lógica para aqueles que atuam há algum tempo em licitação, a definição em uma norma resulta numa melhor segurança para aqueles que atuam no processo de contratação, seja para a administração pública, seja para o licitante pessoa física interessado em contratar com o poder público. E outra importante constatação nessa definição é que, não apenas para licitação a definição é aplicada, mas, em qualquer pretensão em contratar que o licitante pessoa física tenha interesse em oferecer proposta.

Também é importante frisar que a definição de pessoa física está relacionada ao serviço prestado por um autônomo. Ou seja, a pessoa física participa da licitação ou da contratação direta com seu CPF; diferentemente do que ocorre com o MEI, que participa com o CNPJ da pessoa jurídica, em que pese ser uma pessoa física que execute o serviço, e diferente da situação na qual uma pessoa jurídica participar do certame com o CNPJ da empresa, mas o serviço é executado por uma pessoa física.

Essa afirmação fica ainda mais clara quando observamos, no art. 4º, a determinação para que os editais ou os avisos de contratação direta devam possibilitar a contratação das pessoas físicas, em observância aos objetivos da isonomia e da justa competição; objetivos esses, inclusive, constantes no art. 11, da Lei nº 14.133/2021.

Então, pessoa física, para fins de definição da IN SEGES nº 116/2021, que regulamenta a sua participação em licitações e contratações diretas regidas pela Lei nº 14.133/2021, no campo de abrangência da norma, deverá ser, em regra, permitida.

Mas, será que o licitante pessoa física terá condições de participar de toda e qualquer contratação, por licitação ou contratação direta e executar qualquer objeto?

A IN SEGES nº 116/2021 prevê, então, exceções que entendemos necessárias, como uma forma de assegurar a contratação da melhor proposta para a administração, observando critérios econômicos e técnicos.

Essa exceção está prevista no parágrafo único, do art. 4º:

Parágrafo único. Não se aplica o disposto no caput quando a contratação exigir capital social mínimo e estrutura mínima, com equipamentos, instalações e equipe de profissionais ou corpo técnico para a execução do objeto incompatíveis com a natureza profissional da pessoa física, conforme demonstrado em estudo técnico preliminar.

Pois bem, se, para contratar determinado objeto, a administração poderá exigir critérios habilitatórios que possam garantir a execução contratual com o licitante que tiver melhor condições e atenda às regras do edital, será que em uma licitação onde há exigência de capital social mínimo ou estrutura mínima, com equipamentos, instalações e equipe de profissionais ou corpo técnico, esse objeto é compatível com a participação de uma pessoa física? Uma pessoa física terá condições de apresentar essas exigências para uma contratação, a nosso ver, mais complexa?

A própria Constituição Federal, em seu inciso art. 37, XXI, determina que, ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.

Então, entendemos que essa exceção trazida pelo parágrafo único, do art. 4º, da IN SEGES nº 116/2021, vem, inclusive, em observância ao que é regrado pela nossa Carta Magna: se a administração, em seu edital ou aviso de contratação direta, apresenta exigências de capital social mínimo e exigências técnicas que não são suportadas por uma pessoa física, logicamente, aquele licitante pessoa física não poderá participar do certame.

E essa regra clara e lógica temos que entender como sendo, não apenas uma segurança para a administração pública na contratação pretendida, mas, também uma segurança para aquele licitante pessoa física que, de repente, com a busca por entrar no mercado de licitações e contratação com a administração pública, um mercado conhecidamente vantajoso, se a empresa está devidamente capacitada e organizada, aquele licitante pessoa física participa de uma seleção onde, de alguma forma, vem a ser vencedor, contratado e não consegue executar o contrato; podendo sobre sanções, desde multa e até ser afastado de participar de outros certames e contratações, o que é um prejuízo ainda maior.

No entanto, é importante e fundamental alerta para o texto final do parágrafo: conforme demonstrado em estudo técnico preliminar.

Não basta o edital ou o aviso de licitação trazer a restrição da participação do licitante pessoa física em suas regras. Mas, na fase de planejamento da contratação, seja da licitação, seja da contratação direta, deverá ser demonstrado e justificado que, considerando haver a necessidade dessas exigências (capital social mínimo e estrutura), de repente em virtude do vulto da licitação, da complexidade, para aquela seleção, não será permitida a participação de licitante pessoa física.

Sem essa análise e demonstração nos estudos técnicos preliminares, o órgão poderá responder, seja por meio impugnações ao edital da licitação ou, ainda, pior, junto aos órgãos de controle, caso restrinja a participação, sem a devida análise e justificativa.

4 EXIGÊNCIAS QUE DEVEM CONSTAR NO EDITAL E NO AVISO DE CONTRATAÇÃO DIRETA

Seguindo na normatização, a IN SEGES nº 116/2021 traz, em seu art. 5º, uma espécie de checklist dos documentos que devem ser exigidos no edital ou aviso de contratação direta:

Art. 5º O edital ou o aviso de contratação direta deverá conter, dentre outras cláusulas:

I exigência de certidões ou atestados de qualificação técnica, quando couber, expedidos por pessoas jurídicas de direito público ou privado, que comprovem ter as pessoas físicas fornecido os materiais ou prestado os serviços compatíveis com o objeto da licitação;

II apresentação pelo adjudicatário dos seguintes documentos, no mínimo:

a) prova de regularidade perante a Fazenda federal, estadual e/ou municipal do domicílio ou sede do licitante, ou outra equivalente, na forma da lei;

b) prova de regularidade perante a Seguridade Social e trabalhista;

c) certidão negativa de insolvência civil;

d) declaração de que atende os requisitos do edital ou do aviso de contratação direta;

e) declaração de inexistência de fato impeditivo para licitar ou contratar com a Administração Pública.

III exigência de a pessoa física, ao ofertar seu lance ou proposta, acrescentar o percentual de 20% (vinte por cento) do valor de comercialização a título de contribuição patronal à Seguridade Social, para fins de melhor avaliação das condições da contratação pela Administração.

IV exigência do cadastramento da pessoa física no Sistema de Registro Cadastral Unificado (Sicaf).

Parágrafo único. O valor de que trata o inciso III deverá ser subtraído do valor da proposta final do adjudicatário e recolhido, pela Administração, ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).

O inciso I aborda a capacidade técnica do licitante pessoa física, como já exigido das pessoas jurídicas, sendo importante reforçar que a capacitação técnica exigida será apresentada por meio de atestados apresentados por essa jurídica de direito público ou privado; não sendo aceito atestado de capacidade técnica fornecido por pessoa física.

Então, por exemplo, se em uma contratação direta para prestação de um serviço de pintura simples em um órgão, onde não é exigido capital social mínimo nem a estrutura referida na instrução normativa, o licitante pessoa física participa, não poderá apresentar um atestado de capacidade técnica fornecido por você, pessoa física, pelo serviço de pintura na sua casa.

Sobre essa exigência, que aparenta ser uma contradição sobre o que tratamos antes, quando a norma afasta a participação de licitantes pessoas físicas quando se exigir estrutura mínima, com equipamentos, instalações e equipe de profissionais ou corpo técnico para a execução do objeto incompatíveis com a natureza profissional da pessoa física, é importante esclarecer que o licitante pessoa física poderá ter sim atestado de capacidade técnica que comprove ser apto a executar aquele objeto do certame ou da contratação direta da qual participa, sem, necessariamente ter que comprovar essa estrutura; por exemplo, em serviços menores, quando será possível participar ofertando sua proposta.

Apesar de aparentar ser lógica referida exigência, constante desde a Lei nº 8.666/93, é importante reforçar o que é óbvio.

O inciso II apresenta outros documentos, que comprovem a regularidade fiscal, econômico financeira, de atendimento às regras do edital ou aviso de contratação direta e a declaração de que não impedimento em licitar e contratar com a Administração Pública.

Sobre esse inciso trazemos uma curiosidade no texto da norma, que é o fato de se exigir referida documentação ao adjudicatário, e não ao participante do certame.

Em que pese, nem na Lei nº 8.666/93, nem na Lei nº 14.133/2021, definir o que seja adjudicatário, sabemos que é aquele a quem é adjudicado determinado objeto, após a licitação ou contratação direta, após a devida seleção, seja em sessão pública de licitação ou procedimento da contratação direta (dispensa de licitação ou inexigibilidade).

Será adjudicado o objeto ao fornecedor caso a proposta seja aceita e o mesmo esteja habilitado conforme as regras do certame.

Esse entendimento pode ser confirmado quando a própria Lei nº 14.133/2021, no art. 71, que trata do encerramento do processo, regra que uma das ações da autoridade superior, uma vez encerradas as fases de julgamento e habilitação, e exauridos os recursos administrativos, é a adjudicação do objeto ao vencedor. Mesma regra constante no art. 23, da IN SEGES nº 67/2021, que dispõe sobre a dispensa de licitação, na forma eletrônica, de que trata a Lei nº 14.133/2021, e institui o Sistema de Dispensa Eletrônica, no âmbito da Administração Pública federal direta, autárquica e fundacional.

A IN SEGES nº 116/2021, ao exigir a documentação constante no inciso II, do art. 5º ao adjudicatário pessoa física nas licitações e contratações diretas, estará permitindo, então, a habilitação do licitante pessoa física sem essa documentação, sendo exigido, apenas, para a contratação? O edital deverá prever, então, regras diferentes de habilitação para pessoas jurídicas e pessoas físicas? Exigindo das pessoas jurídicas tudo na fase de habilitação, mas, da pessoa física, que a documentação referida no inciso II seja apresentada apenas posteriormente, caso seja adjudicado o objeto (sem ser analisada essa documentação)? A norma nesse ponto estará tratando de forma isonômica os participantes? Ou é um benefício para os licitantes pessoas físicas, que poderão participar sem apresentar essa documentação e, apenas analisando-se os demais documentos e propostas, caso seja declarado vencedor e adjudicado o objeto, será quando haverá a exigência? Como fica a fase recursal da licitação?

Entendemos importante essa discussão, considerando o texto da norma. E consideramos que, nesse ponto, o texto pode criar dúvidas, inclusive sobre discussão quanto à isonomia, penso que melhor seria o texto trazer, ao invés de adjudicatário, licitante.

O inciso III traz importante regra esclarecedora sobre a proposta a ser apresentada pelo licitante pessoa física, ao exigir que o licitante, ao apresentar sua proposta, acrescente o percentual de 20% (vinte por cento) do valor de comercialização a título de contribuição patronal à Seguridade Social, visto ser um custo para a administração, e que será utilizado para fins de melhor avaliar sua proposta. Sendo esclarecido, em seguida, como deverá ser recolhido o referido valor ao INSS.

Esse esclarecimento trazido pelo inciso III é fundamental, até para efeito de se analisar se aquela contratação, por exemplo, ultrapassará os limites da dispensa de licitação em razão do valor, constante nos incisos I (contratações de obras, serviços de engenharia e manutenção de veículos automotores com valores inferiores a R$ 108.040,82) e II (contratações de serviços e aquisições, com valores inferiores a R$ 54.020,41), do art. 75, da Lei nº 14.133/2021.

Em seguida, no inciso IV, a norma exige o cadastro no SICAF, considerando ser uma norma federal.

6 CONCLUSÃO

Seguindo ao que já vem ocorrendo desde a vigência da Lei nº 14.133/2021, a SEGES vem normatizando os procedimentos obrigatórios e necessários para utilização da nova lei de licitações. Sendo a IN SEGES nº 116/2021, mais uma importante norma nesse sentido, que rege a participação de pessoas físicas nas licitações.

Como vimos e como já ocorre, a contratação de pessoas físicas pela administração pública já era possível, não sendo algo inovador na nova lei; no entanto, a IN SEGES nº 14.133/2021 traz regras específicas e claras de como regrar nos editais e avisos de contratação direta essa participação, com algumas restrições e exigências.

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